Mas é
claro que eu amo finais felizes!
Quem,
entre seres julgados normais, esperaria pelo pior ao fim de uma sucessão de
desventuras?
Todos
querem ser recompensados depois de tudo – depois das lágrimas e dos breves
sorrisos de descontração em momentos de apuro. Desejamos respirar aliviados
depois de uma longa fuga ou batalha. Desejamos sentir a doce sensação de dever
cumprido.
Sim,
eu também sei apreciar um bom desfecho.
Afinal,
fomos criados como encarnações de personagens de histórias escritas para terem
finais felizes. Crescemos motivados pela crença de que tudo ficaria bem; mesmo
os coadjuvantes e aqueles outros que foram deixados de lado, ou sumariamente
arrancados das páginas, mesmo eles sonham ou sonharam com o sorriso nos lábios
e com o brilho de triunfo que teriam nos olhos quando o jogo virasse, quando,
então, seriam recebidos com flores e aplausos, e não mais vaiados.
Era
uma vez um garotinho que acreditava em finais felizes. Criado por fábulas e
desenhos animados, animais falantes e com mania de cantoria, dançarinos,
príncipes e princesas, o garotinho – quando este já não era mais um garotinho –
ainda queria acreditar que depois conheceria a moral de toda esta história.
De
sua estranha história.
Ninguém
avisou que sua lúdica infância daria lugar a uma vida adulta repleta de coisas
chatas, de frustrações, de um desencantamento crônico. Monotonia. Quando,
enfim, descobriu, não era exatamente tarde, ainda que o Coelho Branco pudesse
discordar, mas também não era mais tão cedo, e o garotinho amadureceu ou
apodreceu depressa. De garotinho inocente, ainda que inteligente, ele se
transformou em um jovem confuso e ligeiramente amargurado. Descobriu que não
era um dos favoritos, ainda que o bajulassem.
Mas
ele ainda acreditava que tudo seria diferente no futuro.
Ele
ainda queria acreditar.
Sabe,
esta história não é diferente de tantas outras que lemos ou escutamos por aí.
Quem não quer acreditar que, assim como os personagens das fábulas e dos contos
de fada, viveremos felizes para sempre?
Nem
mesmo nos interessamos em saber o que vem depois. Não é mais de nosso interesse
a vida que a princesa levará ao lado do príncipe entre as paredes de seu
castelo de morango com chantilly, mas sabemos que, apesar de todo o nosso
apreço pela felicidade perpétua, a nova vida que ela terá será apenas uma
variação mais aborrecida de sua história anterior. Em vez de dragões e
feitiços, a princesa agora enfrentaria uma longa vida matrimonial.
É a vida.
Nossas
histórias dificilmente terminam no auge, quando tudo valia a pena, quando ainda
éramos ou queríamos ser heróis. Não é sempre que vivemos felizes para sempre.
Terminamos, na melhor das hipóteses, deitados sob lençóis encardidos.
Esperando. Conformados com o nosso destino final.
A
vida não segue fiel à ficção.
A
vida quebra todas as nossas ilusões, uma por uma.
A
vida nos fere e nos trai.
Somente
as marcas ficam, e mesmo elas se apagam no fim, sumindo com a nossa carne e com
quem fomos. Somente as marcas que deixamos em quem ainda seguiu com a própria
história ainda valem alguma coisa.
Mas,
até lá, ainda teremos alguma vida pela frente.
Teremos
que lidar com as muitas sequelas acumuladas ao longo do percurso. Somos um
mundo de sequelados incuráveis, vagando pela existência em busca de uma
compensação absoluta que não teremos aqui. Irreversível, mesmo com o fiapo de
esperança que lentamente nos escapa por entre os dedos.
Olhamos
à nossa volta e nos deparamos com hordas de zumbis, de sequelados com expressões
apagadas, olhos vazios, posturas de morte em vida, inclinados para a derrota.
E
quando olham de volta para nós, eles nos veem como reflexos no espelho. Veem a
si mesmos, talvez até numa versão piorada. Mas a sequela maior ainda se
encontra na alma, naquilo que não vemos a não ser em nós mesmos.
Como
lidar?
É
claro que eu amo finais felizes, mas os melhores finais são aqueles
acompanhados por sequelas que, em vez de nos matarem lentamente, nos ensinam o
melhor modo de seguirmos em frente. Tudo o que aprendemos quando nos permitimos
aprender.
O
suposto final feliz se torna ainda mais legítimo quando descobrimos que agora
conseguiremos lidar melhor com as nossas falhas, com os golpes violentos da
vida, com as coisas que anteriormente nos impediam de seguir em frente. Não com
o fim absoluto dos infortúnios.
Somos uma legião pertencente ao grande exército de
sequelados. Os sobreviventes de nossas desnorteadas existências.
-----------------------------------------------------------------
Para mais informações e novidades:
Sigam-me em meu perfil no Google Plus
Sigam-me também no Twitter
Curtam e sigam minha Página do Facebook