sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

44. Seu Lugar no Mundo


Você dorme no trem londrino e acorda em Tóquio.
Você ouve a cantoria solitária nas ruas de Roma.
Você é recebido de braços abertos pelo Cristo Redentor.
Ouve aplausos de desconhecidos, dos amigos de seus amigos, dos pais dos amigos. De seus pais; mas, em seu nervosismo, você não consegue vê-los na plateia; seus pais nunca foram de sentar na frente. Eles sorriem muito orgulhosos de sua casinha falante, de sua graminha vestida de papel crepom, por mais boba que a peça tenha sido. O apoio deles tem todo o significado do mundo.
Você chora em Paris.
Pensa em tudo o que teve de fazer para chegar aqui. Todos os idiomas que teve de aprender para se comunicar com o mundo, até com o mundo daqueles privados de voz. Todas as conquistas doces ou agridoces.
Tu és um nômade.
Tu és um cidadão do mundo.
Onde é melhor chorar? Em seu quarto empoeirado ou nas ruas de Berlim? Você quer partir para sempre para longe das lembranças que vivem em você. Tão melhor carregar o peso nos ombros quando se está em Madrid. Tudo fica mais tolerável quando se pisa na calçada da fama, na cidade das estrelas.
Você se muda da capital para o litoral.
Do campo para a cidade grande.
Da casinha para o apartamento.
Tudo será diferente a partir de agora. As lembranças ficarão para trás, serão apenas lembranças e nada mais. Você desembarca e não vê seus velhos amigos ali, seguindo em frente com você, também. Tudo está diferente agora.
Entre os rostos desconhecidos, tenta encontrar novos amigos, mas tem que começar do zero. Precisa explicar, de novo, quem você já foi, quem você pensa que é. Depois de tanto tempo, e ainda somos forasteiros, sem nome e significado.
Você está feliz no Canadá. Mas, dentro de você, uma voz o chama de volta para casa. Para a vida deixada para trás.
Você foge para a Austrália e desfruta de boas férias no Polo Norte. Volta de caravela para Portugal, em nome dos velhos tempos.
O mundo é tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão vasto. Voa de um lado para o outro, e ainda não aprendeu como se deixar para trás, como não se trazer nas malas.
Seus amigos e inimigos o aplaudem e o vaiam em segredo, sem que você saiba quem é quem.
Há algo em você que seus pais não aprovam.
Seu patrão pode apertar sua mão, mas para ele, tudo o que você fizer ainda não será o suficiente. Nunca.
Você sente tudo isto, enquanto vaga nas ruas de New York. Enquanto não consegue silenciar aquela voz na cabeça. Enquanto não apaga as projeções que dizem muito mais sobre como vê a si mesmo.
Ninguém se sente pertencente de verdade a este mundo. Somos todos invisíveis para ele.
Nós não vemos a quem nos vê.
Ninguém nos conhece tão bem.
Você só queria ser outro alguém, conhecido o suficiente, mas perdido na multidão o suficiente para não ser reconhecido. Você só queria ser notado, mas não engolido e invadido. Só queria ouvir os aplausos, mas não queria ver por quem estava sendo aplaudido. Queria ter o sobrenome reconhecido, mas também queria que ignorassem seu passado, seu primeiro nome. Você queria que soubessem tudo sobre você.
O que você quer, afinal?
Ninguém se olha nos olhos. No vagão, todos fogem para dentro de seus próprios mundos, viajando entre pensamentos e experiências pessoais.
Próxima estação: Paraíso.
Próxima estação: Liberdade.
Próxima estação: Carandiru.
Corremos de nossa distopia interior para a utopia de um mundo perfeito, que supostamente nos modificaria de fora para dentro. As pessoas daqui são diferentes, mas não a gente. Não a gente. Nós sempre vivemos em fuga. Corremos e crescemos. Nós corremos.
E fugimos...
Fugimos...
E fugimos...


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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

43. "Chame o Xerife!"


Se existe uma arte que eu domino bem, esta seria a arte de reclamar. Eu amo ter voz para reclamar de meus incômodos, como um direito pessoal. Você deve saber: eu não sou um ser dócil a maior parte do tempo. Mas, cá entre nós: às vezes, a arte de reclamar passa dos limites do bom senso.
Dizem que reclamar não resolve os problemas; de fato, não resolve mesmo, mas não reclamar também não resolve. E não me venha com o papo de existirem pessoas em situações piores, pois, como sempre digo em casos assim, eu não sabia que estamos numa competição de sofrimento. Cada um sabe de suas alegrias e dores, não importando o tamanho de cada uma. Além de ser de mau gosto se sentir compensado pelo sofrimento alheio. Quem diz essas coisas nunca parou para refletir?
Ainda assim, correndo o risco de soar cínico ou hipócrita, bato na tecla de que a arte de reclamar está saturada. Principalmente pelo efeito que eu chamo de “Chame o xerife!”, baseado no quadro de um programa de TV em que pessoas procuram fulano de tal para ver se este consegue resolver seus problemas.
Se você não conseguiu usufruir o tempo de garantia de sua TV nova, chame o xerife!
Se o carrinho de bebê do seu filho enguiçou, você precisou trocar, mas a burrocracia do fabricante torrou a sua paciência, chame o xerife.
Se você perdeu seus dedos durante a plástica no nariz, chame o... Não, neste caso estou exagerando.
Praticamente todos os casos apresentados neste quadro justificam procurar a imprensa e agilizar processos cansativos. Não nego isso. O problema, a meu ver, é a mania de reclamarem direitos por meios menos civilizados. Espere aí. Deixe-me explicar.
Não estou dizendo que às vezes não seja necessário ser mais enérgico diante de uma situação de injustiça, de atos de covardia, e coisas do gênero, principalmente se for numa situação mais extrema. Estou falando mais especificamente sobre os direitos do consumidor tratados com exagero e até com rompantes de fúria.
Os direitos existem, é claro, e devem ser cumpridos. Mas o cumprimento de tais direitos envolve uma série de fatores que extrapolam o Joãozinho, o Vendedor, que apenas está fazendo o seu trabalho. O xis da questão aqui é a mania de explodirem com o Joãozinho, o Vendedor, apenas porque ele, sem saber, vendeu um produto danificado.
Eu já perdi a conta de quantas vezes fui ao hospital superlotado e presenciei cenas de vexame envolvendo pacientes e funcionários.
Eu sei, a saúde em nosso país está precária, vemos muitas pessoas morrerem nos corredores dos hospitais enquanto outros tantos respiram saúde e maldade. Eu sei, e temos todo o direito do mundo de reclamar. Ninguém aqui está defendendo o comodismo.
O problema é: você está reclamando com a pessoa certa?
Os funcionários podem até se comportar como um bando de joões-sem-braço, fingindo não ver o nosso sofrimento, ou olhando para a gente com uma cara de cavidade retal virada ao avesso; mas eles também não têm aonde correr. Estão só fazendo seu trabalho. Eles não são os seus inimigos.
Certa vez, como se falasse por todos ali, alguém muito estressado ameaçou trazer a imprensa ao ambulatório por causa da demora no atendimento. Eu estava com amidalite. Sim, eu sei, eu não iria morrer por isso, mas eu não conseguia engolir saliva sem sentir dor, e mal e mal conseguia falar ou comer. Mas a minha vontade era de mandar calar a boca a quem estivesse fazendo todo aquele escândalo. Pensei no xerife vindo às pressas para resolver os nossos problemas. Ele tem um clone a cada esquina, vocês não sabiam?
Se não fosse ele, seria outro. Mas eu apenas queria que aquela pessoa calasse a boca, assim como todos ali estavam calados. Só deixe a gente quieto, por favor. Não aguento mais ouvir a sua voz.
Aquela pessoa é bem capaz de ser do mesmo tipo que se intromete quando você compra um carro usado. Você nem a chamou, mas ela veio correndo quando ouviu o motor engasgar. E quando um mecânico vem para verificar o problema com o dono anterior do carro, lá está aquela pessoa querendo ver, também. Ela espera que os outros saiam para dar palpite. Parece que está tudo ferrado, diz. Quando o carro volta do conserto, aquela pessoa pede para verificar se o motor está funcionando. Funciona, mas morre facilmente, como se estivesse em conluio com a pessoa. Com um tom de cumplicidade — unilateral, neste caso —, diz que tem muito pilantra, e que se fosse você, pediria o dinheiro de volta. Depois, o carro funciona normalmente. Claro, ainda precisa de uns reparos, mas a coisas não é fatalista como aquela pessoa tenta fazer parecer. Afinal, o dono anterior se propôs a bancar o conserto; que pilantra faria isso?
Ainda comigo?
Não se trata de cruzar os braços e permitir que pisem em você. Trata-se sobre não ser impertinente apenas “porque sim”.


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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Caixa de Cartas #3

Carta ao irmão


Em algum lugar, 6 de novembro de 2017.


Você se lembra de como a gente quase nunca se desgrudava? Nunca conseguimos decifrar o enigma daqueles irmãos separados pela vida ou por barreiras colocadas pelos próprios. “Esta parte é minha, você não tem permissão de cruzar a linha para o meu território.” Não, não, nunca conseguimos entender. Sempre gostei de estarmos num mesmo ambiente, exceto pelo banheiro.
Você se lembra de como sempre fomos unidos, mesmo quando a gente brigava por coisas idiotas, como a posse do controle remoto? Dificilmente a inimizade durava algo mais que alguns poucos minutos, entre um desenho e outro.
Enquanto muitos dormiam de mal, a gente dizia boa noite, durma bem, tenha bons sonhos. Era o equivalente ao eu te amo. A gente não dizia com essas palavras, mas a gente entendia como tal. A gente conversava até cair no sono. Nas noites de tempestade, você me procurava até que tudo se acalmasse, e ninguém, além da gente, sabia do medo que você nutria pela fúria da Voz do Trovão e a zombaria do assobio agudo dos ventos.
Consegue se lembrar de quando eu ficava doente e você também ficava? De como a gente sempre sabia a quem recorrer quando ninguém mais faria algo pela gente? Das gargalhadas e das nossas piadas internas? E das lágrimas divididas em dias de tempestade?
É claro que não.
Você nunca existiu.
Sinto sua falta.
...
Você não sabia?
Você existe, sim, na minha mente. Você vive através de mim como um parasita emocional, que, conforme eu alimento mais e mais, mais e mais vazio eu me sinto. Mais sozinho.
Por favor, entenda. Eu não o odeio por isso. Não é sua culpa, nem minha, nem de ninguém. A vida tem dessas coisas, é a conclusão que demorei a chegar.
Por muito tempo eu me queixei sobre como me faltou um referencial de tudo em casa. Não estou falando de pai e mãe, mas de alguém que quase me compreendesse de verdade. Um irmão de alma.
Sim, eu sei que um irmão nem sempre é o melhor referencial que alguém poderia ter. Se assim fosse, muito mais gente demonstraria mais abertamente o quanto admira seu irmão. Ou não, pois faz parte do protocolo familiar fingir que não o suporta.
Posso não ter um irmão biológico, mas, ao longo da vida, muitos irmãos e irmãs cruzaram o meu caminho e me mostraram que os laços de sangue não são tudo. Ser irmão vai muito além de ser filho de uma mesma mãe e um mesmo pai, e às vezes ser de um, mas não ser de outro.
Nem sempre tenho essas pessoas por perto, mas de que vale estar próximo e ao mesmo tempo tão distante, quando, mesmo distante, a sensação de proximidade é muito mais intenso.
Tenho que deixá-lo em algum ponto, irmão imaginário, e seguir com minha vida sem pensar que ela poderia ter sido diferente. Minha vida é o que é.
Não estou sozinho. Estou sozinho apenas quando quero estar.
Eu estou aprendendo a seguir com a minha vida sem você.
Sempre foi assim.

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Anteriormente:

Caixa de Cartas #1 (Carta ao Papai Noel)
Caixa de Cartas #2 (Carta ao serial killer mais bem sucedido da história)


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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

41. Vômito Verbal


Eu não sei o que dizer.
As palavras me fogem como fujo para o abrigo que me esconde do mundo lá fora, das pessoas sorridentes pelas ruas, dos pesadelos concretos e de olhos abertos que chamam de realidade. As palavras me fogem. Eu não sei o que dizer.
Olho, cabisbaixo, para o seu tapete fino, pois se eu olhasse para cima, veria um teto movendo-se em círculos intermináveis. Sei que do chão não passaria, caso eu fosse puxado. Nada disso faz sentido? Mostre-me quando, alguma vez, fiz algum sentido para você.
Mas, cá estou eu, ainda caçando palavras e tentando encontrar algum sentido no mundo. Tento traduzir, com minhas próprias palavras, como vejo o mundo e como o mundo me vê.
Você me vê como um velho corcunda vestido em pele jovem, uma alma envelhecida que se cansou de ter de seguir em frente, pois não encontra nem sentido nem recompensa para a sua longa marcha pelo vale dos invisíveis, dos rostos perdidos na multidão. Cobram tanto de mim por sonhos que não são os meus. O que eu quero da vida? O que a vida quer de mim? O que você quer de mim? Pensa que eu não vi você apontar o dedo e sacudir a cabeça em negação ao olhar para mim? Estou paranoico?
Quando penso não ter coisas importantes a dizer, as palavras surgem pegajosas como a saliva enjoativa que se acumulou na minha boca, enchendo-me de ânsia.
Todo este tempo, e não ganhei dinheiro com minhas obras criadas pelo meu esgotamento. Não pertenço ao seu seleto clubinho de pessoas resolvidas e “sem frescura”, como adora dizer, de pessoas que não perdem tempo com besteiras.
Eu juro, se vier outra vez com isto, eu juro que vomito no seu tapete. Tire seus sapatos do caminho.
Então, olhe para mim. Eu não tenho o que dizer. Não hoje, não amanhã, não na semana passada, nem na semana que vem.
As palavras flutuam na minha frente, como se caçoassem do homem que tomou seu primeiro porre. Eu nem posso beber, mas estou passando por uma longa ressaca nos últimos tempos, não apenas sentindo o mundo pesar sobre os ombros, como também pressionando meu crânio com ideias que não são ideias, com palavras desconexas.
Eu juro ter tentado dar um tempo para o que você julga ser perda de tempo. Tentei vestir meu melhor visual de cabeça de vento e ser o que você considera normal. Mas as palavras continuaram a martelar de dentro para fora.
Quer apostar que vomito em mim mesmo? Encherei meu próprio peito de palavras mal digeridas, e meus sapatos eu encherei de ideias misturadas com as quais me empanturrei.
Preciso pôr tudo para fora.
Não consigo segurar mais.
Não quero segurar mais.
Puxo todo o ar possível para dentro de meus pulmões e me levanto, apoiando-me em tudo à minha volta para sair daqui, desta sala e deste espelho. Você se afasta quando me afasto. Hoje, você é como eu penso que as pessoas me veem: um espectro sem futuro, sem ideias.
Eu não quero vomitar em meus sapatos. Em seus sapatos. Seria patético. Eu não quero perder o controle de minhas palavras, do fluxo de ideias que ainda estão por vir. Sigo em frente, contendo, com toda a força de vontade, as sensações ruins de não pertencimento, e sento diante da tela branca.
Vomito e manipulo tudo o que esteve entalado na garganta, como quem brinca com a comida. Desobstruo o caminho para a saída de meus últimos incômodos e aceito o fato de que, hoje, este sou eu.
Preciso tirar do caminho essa sensação ruim de ser um inútil.
Preciso tirar do caminho a sensação de eu não existir.
Preciso me tirar de dentro de mim.
Preciso me sentir e estar de volta.

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terça-feira, 18 de abril de 2017

40. Moscas


(O zumbido de uma mosca)
(Silêncio sepulcral)
(Mosca zumbindo, insistente)
(Murro em madeira)
(Respiração pesada, irada)
(Silêncio)
(Mosca, outra vez)

(Uma voz que ninguém escuta; a voz de um pensamento): “Por acaso sou uma laranja podre num cesto de maçãs boas?”

(Música começa)
(Moscas dançam sobre a pele descoberta)

Moscas percorrem minha carne,
cobrem minha face... De quê?
(De morte!)
Hoje não é um bom dia pra viver...
Mas vou vivendo... Mesmo assim.

Teimoso,
feito uma mosca sem norte,
levo um murro no rosto,
outro na boca do estômago...
Mas logo volto correndo.
Sou assim.

(Coro levemente discordante de moscas se une ao instrumental imaginário)

Estou na cama deitado,
a mim mesmo abraçado.
Não consigo me mover...
E se quer mesmo saber...

Há muito tempo eu tento.
Veja só como voa o tempo.
Como morrem meus sussurros ao vento.
Estou esperando o fim.
O fim que nunca vem...

Eu acordo de novo,
com moscas no rosto.
Um colchão sem lençóis,
mofo na alma e no corpo...
Ninguém consegue ver?
Eles não veem?

Será
Que
Eles
Não
Me veem?

(O instrumental imaginário cessa bruscamente)

(A voz de pensamento, de novo. Resignada): “Ninguém nunca me vê.”

(Silêncio breve)
(Enxame de moscas; cacofonia total)

(Voz de pensamento; murmúrio ainda audível sob os zumbidos): “Ninguém nunca nos ouve. Por acaso sou um fruto podre?”

(Voz e enxame de moscas se tornam uma única voz, um sussurro chiado que ninguém ouve, acompanhada de batidinhas leves nos pratos; inicia-se um monólogo): “Dizem que em boca fechada não entra mosca, mas quero abrir a minha, por mais inconveniente que isso seja. Não, não, não. Você está enganado. Eu nunca atentei contra a minha carne, nem cortei minha pele. Não preciso. Não quero. Em minha inércia, as moscas nem esperaram eu apodrecer. Simplesmente vieram. Sentiram o meu cheiro de morto vivo. Dançam sobre mim. Eu não sei como viver, eu não sei como morrer. Mas vou vivendo... Sou assim.”

(Gradualmente, voz se estabiliza; alguns zumbidos isolados podem ser ouvidos ao fundo): “Querido diário, quando vão olhar para mim? Quando é que eles vão me ver? Ou me ouvir? As varejeiras são as únicas que me olham. Parecem famintas. Eu amo a vida, mas ela nunca pareceu amar a mim. Eu sorrio para a vida, mas sinto-me ridículo por sorrir. Sofri uma metamorfose. Não sei mais quem eu fui. Não sei mais quem eu sou. Algo que não é mais deste mundo. O que me diz?”

(Silêncio)
(O zumbido de uma mosca)
(Murro na madeira)

(Silêncio)



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quinta-feira, 9 de março de 2017

39. A Voz do Silêncio

O que é? O que é?
Diga seu nome e ele desaparece.
O que é? O que é?
Ouça. Pode ouvir o mundo suspirar? Não, não quando os gritos e sirenes disputam ouvidos e enchem o dia de vibrações discordantes. Ouça. Se conseguir por um breve momento, ouça.
O Silêncio, ele tem voz própria.
Não se vê um rosto por onde se ouve esta voz.
O mundo está concentrado no ritmo do maquinário, dos mecanismos que o movem, nos assuntos que não envolvem quem procura encontrar o silêncio, que, silencioso, ninguém sabe ouvir.
E os rostos que encontramos e vemos por entre as nuvens de fumaça, estes rostos flutuam apressados. A caminho de seus destinos definidos, porém incertos.
O silêncio está em todos os lugares, mas é somente à noite que ele sai para brincar, encontrando quase ninguém. Ninguém ouve seu chamado. Todos dormem e se entregam dos sonhos intranquilos, ruidosos, nebulosos e envoltos em estática. Nem nos sonhos o silêncio é convidado.
Ouça. Consegue ouvir? Sim, há uma voz por aí, por aqui, lá, mas ninguém escuta. O silêncio incomoda. Não gostam de ficar a sós com os próprios pensamentos.
Falam, e gritam, e cantam, e rangem os dentes, tudo para não ficarem em silêncio.
Mesmo na quietude da noite mais vazia, a voz soa entre as paredes, árvores e trilhas de concreto. Cantarola no soprar dos ventos, no farfalhar das folhas de outono e no cair das lágrimas de quem chora em segredo. No desespero dos andarilhos solitários, nos pés que se arrastam sobre o mundo e por ele vagam.
Preenchem o silêncio e manifestam tudo o que ele tem a dizer, mas não conseguem ouvir.
Ouça o silêncio, que acaricia a pele do rosto quando você o aceita de graça, que o estapeia quando você o rejeita ao rejeitar a si mesmo, fugindo e correndo em direção ao barulho produzido pelo desespero. Ouça o que ele tem a dizer.
Sinta sua presença.
O que ele é para você?
Amigo ou inimigo?
O silêncio oprime.
O silêncio toca.
O silêncio abraça.
O silêncio esfaqueia.
O silêncio existe, mas não querem que você acredite.
O silêncio não é violento, nem invade casas e ouvidos, não arromba portas nem quebra vidros, mas espera.
Ouça.
Não tenha medo de não vê-lo, de não encontrar quem dê rosto ao silêncio que se ouve na proteção de suas paredes. Ouça a voz que não aparece, entre os espaços que nem sempre precisam ser preenchidos. Não necessariamente.
Ouça.
Não ouve.
Nada ouve.
Mas não quer dizer que não está por aí.
Você ainda pode sentir a vibração de sua voz entre as notas musicais que soam no cotidiano de um mundo ordinário.
O que é? O que é?
Diga seu nome e ele desaparece.
O que é? O que é?


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quarta-feira, 8 de março de 2017

Fora da Caixa #5

Bom dia. Boa tarde. Boa noite.
Bem vindos ao Fora da Caixa.

Lembrando: neste espaço eu divulgarei textos e demais materiais de minha autoria que tenho publicado em outros websites/espaços.


Desta vez divulgarei os cinco últimos artigos meus que foram publicados no PORTAL DE FORMAÇÃO E AUTODESENVOLVIMENTO



Que tal relembrar?

Do começo ao fim... Sempre esperam (e esperamos) muito de nós;

O que você prometeu ao seu eu mais jovem e nunca cumpriu?

Já revelarei a verdade logo antes de início. Como lidar como este fato?

Porque o sorriso é um "santo" remédio.



Como sempre peço, leia, e, se possível, avalie e comente no respectivo site [em que o texto foi publicado] ou mesmo compartilhe/divulgue. Grato!
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quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Caixa de Cartas #2

Carta ao serial killer mais bem sucedido da História


Em qualquer lugar do mundo, 5 de janeiro de 2017.


Enquanto abraçamos uns aos ou outros, ou vibramos ou aplaudimos e olhamos deslumbrados para o céu iluminado somente pela chuva de fogos de artifício, em outros lugares alguém nasce e alguém morre. Milhares nascem, milhares morrem. O nascimento e a morte sempre caminharam juntos, e não seria diferente na passagem de um ano para o outro. Um ano terminou para que outro apenas começasse. O mesmo jogo se repete.
Você não foi querido. Nem chegou perto de ser.
Eu não conheço seu rosto, mas sei que esteve por aqui. Ainda posso sentir seu cheiro, que apenas as chuvas de janeiro podem levar embora.
Eu não o conheci por um rosto específico, mas nos lembrávamos de sua existência a cada nome ou rosto na TV.
Mas agora está escondido. Saiu ileso, mas não sem ter deixado rastros.
Infelizmente, eu o conheci e vi sua sombra.
Vi suas obras.
Você não esperou nem a passagem de duas semanas para levar David Bowie, Severus Snape e Shaolin. Cometeu crimes perfeitos, aproveitando-se de suas duras batalhas físicas. Mas seu gosto pela morte não parou por aí.
A finitude dos grandes e conhecidos foi declarada para o mundo.
Consta na sua lista diversos nomes. Prince, George Michael, Greg Lake, Leonard Cohen, Willy Wonka, Professor Girafales, Princesa Leia e Debbie Reynolds... Muitos nomes que tiveram suas vidas ceifadas seguiam o mesmo padrão: o ano de 2016.
Um número teria o poder de pertencer à mesma galeria infame de nomes como Jack, O Estripador, H. H. Holmes, Zodíaco e a Condessa Bárthory?
Não que a morte de uma celebridade seja mais relevante que a de inúmeros anônimos pelo mundo. Pensemos no tanto de pessoas que morrem diariamente nas guerras, nas que morrem de fome e pela violência nas ruas mais pacíficas e até dentro de casa. Não costumam ser homenageadas. Mas basta ligarmos a TV diariamente após o chá da tarde, que vemos a exploração da miséria humana por alguns pontos de audiência. É o mais próximo de uma homenagem que muitos terão.
Mas um mesmo ano que leva Professor Girafales, Willy Wonka, Malvo e Fofão não pode ser um ano qualquer. Nomes que marcaram presença na infância e adolescência de muitos da minha geração. Os personagens podem ser imortais, mas ver seus intérpretes saírem de cena representa o fim de uma era. Também estamos morrendo.
Mas não só de mortes você foi feito. (É, eu sei que é estranho tratar um ano por “você”.) Você também foi um semeador de discórdias, de separações, de tribulações. Você foi capaz de tudo.
Sabe o que dizem sobre as cores das roupas? Não acredito nisto e também não tento mais repetir o gesto apenas pela tendência. Usei branco na ocasião de seu esperado nascimento, e olha no que deu.
Enquanto abraçávamos uns aos outros, comemorando a chegada de um novo ano, estando eu agora de camiseta azul e bermuda rasgada do lado, também respirávamos aliviados pela sua ida, indiferente aos nossos risos e lágrimas.
Os sentimentos cabem somente aos mortais.
Hoje, cinco dias depois, eu apenas alimento a esperança de que este novo ano seja bom. Não o melhor de todos, como sempre esperamos pelo ano seguinte, mas surpreendentemente bom.
Sabe como é, as pessoas ainda insistem em apostar as fichas em uma renovação de ciclos, nas mudanças operadas de fora para dentro e não o contrário. Somos humanos, e isto é o que fazemos de melhor.
Quanto a você, 2016, por mais que não possa ser punido, por já pertencer ao passado, mas possivelmente tendo trazido crias que perpetuarão sua obra maligna através das eras que estão por vir, os anos vindouros, pode ter certeza de que não sentiremos saudade. Aposentou-se com nossas lágrimas, e não o queremos mais.
Mas fica o aviso: não ouse se esconder em 2017. Que este novo ano não repita seus passos. Fique longe dele! Vamos cuidar para que ele não se torne uma cópia ainda mais letal de seu antecessor.
Eu sei. Não podemos controlar um possível gosto hereditário pela morte, mas ainda podemos moldar este ano novo para algo mais tranquilo e agradável. Assim espero. Assim eu quero.

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Anteriormente:

Caixa de Cartas #1 (Carta ao Papai Noel)

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