domingo, 26 de janeiro de 2014

12. São Paulo

Bom dia, filhos da cidade grande.
Vejo centenas de rostos sonolentos que vêm e vão com o girar das catracas, muito antes de o sol nascer. Ouço a algazarra de buzinas nas ruas, assim como o choro escandaloso de crianças contrariadas no interior das latas de sardinha, mas todo esse barulho é produzido em vão. E o pior de tudo é o cheiro rançoso de suores que invade as narinas já pela manhã.
Bom fim de tarde, filhos da cidade grande.
Vejo os mesmos rostos inexpressivos daqueles que muito produzem voltando ao mesmo tempo para os mesmos lugares, rostos que ocultam suas muitas frustrações. Mas com o abrir das portas duplas, as máscaras de inexpressividade são deixadas de lado, e em seus rostos e nos gestos desesperados, os bárbaros são finalmente revelados, e tudo isso é por um lugar no metrô. E o pior de tudo é o cheiro rançoso de suores que invade as narinas depois de um longo dia.
Boa noite, filhos da cidade grande.
Essa cidade, ela não dorme nem descansa. Mesmo com nossos olhos fechados, ainda é possível ver as luzes que iluminam ruas quase inteiramente vazias. E durante um raro silêncio meditativo durante a madrugada, ainda conseguimos ouvir o burburinho de conversas indesejáveis e as risadas das hienas, além de seus gritos eufóricos.
Mas quando não derrama suores fétidos durante o dia ou mesmo durante à noite, a cidade assume a postura de uma dama elegante e culta. Ela frequenta livrarias, alimenta-se em restaurantes caros, isso quando não desfruta secretamente do sabor de um enorme sanduíche de mortadela no Mercado Municipal, e então vai em exposições de arte nos dias gratuitos ou simplesmente olha com atenção para os monumentos modernos, isso quando não vai ao teatro ou se depara com ele em suas entranhas, nas ruas e pontes.
Ela nem sempre faz essas coisas, é claro.
Quando se cansa de tanto produzir e de se desenvolver durante o dia, muitas vezes ela quer apenas voltar para suas vãs tentativas de sono dos justos. E quando é o caso de produzir durante à noite, os barulhos da vida diurna não permitem o seu descanso.
Mas quando quer, a cidade se ilumina devidamente com suas belezas peculiares que, mesmo não sendo naturais muitas vezes, mas belezas projetadas, atraem olhares fascinados. Quando vemos seus pontos turísticos, vemos refletida a sensação de sermos um de seus habitantes. É um misto de estranheza e fascínio, algo que outras palavras não conseguiriam definir com mais precisão.
Mas às vezes, a cidade caminha feito uma prostituta barata, malcuidada e doente, vivendo sob uma enorme bolha de poluentes, e carregando um grande número de filhos bastardos em seu inchado ventre. Golpeada no rosto, com seus olhos inchados e a visão turva, ela prefere ignorar os sintomas e os agentes de suas enfermidades, e mais filhos bastardos e doentes são paridos. O cérebro desta cidade, mesmo ele não costuma agir a favor dos demais membros, o mesmo que acontece com tantas outras. E os membros, os habitantes da cidade, eles são como células em um corpo gigantesco, mas muitas vezes não colaboram uns com os outros, mas reclamam das falhas no cérebro. E assim, todos os dias, eles lutam desesperadamente por um espaço na vida ou mesmo na morte. Para terem um teto sobre suas cabeças ou por um lugar embaixo da terra.
Essa cidade, ela é um pouco de tudo.
Existe uma pluralidade de povos e de culturas em cada esquina ou mesmo atrás de cada porta, de vidas secretas e outras não tão secretas, de sonhadores e desiludidos, de satisfeitos e eternos insatisfeitos que vivem cuspindo no prato em que comem, de criaturas que não se assustam com a imponência dos edifícios e aquelas que saem correndo, de criaturas que lutam por um ar mais puro e aquelas que são céticas a respeito, de...
De tudo isso e um pouco mais. São tantas coisas, e as palavras, neste caso, elas sempre serão insuficientes. Listar o incontável é uma tarefa ingrata.
Esta é a minha cidade.
Ela foi o meu berço e – quem sabe – será o meu túmulo.
Pode não ser perfeita, mas eu a amo eternamente.


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