Vejo a nós dois, meu caro amigo, folgados em
espreguiçadeiras e assistindo ao pôr do sol.
Nenhum pensamento vem à mente, apenas o silêncio
quebrado de leve com as ondas do mar. Fugimos da loucura, do caos,
dos gritos e da fumaça da metrópole, e então sentimos a maresia
acariciar nosso rosto ao fim do dia. Isso é o futuro. Pode ser visto
de muito longe, no horizonte além-mar e distante do alcance de
nossos olhos, mas que de qualquer modo ali ainda está.
O tempo caminha em um ritmo levemente desacelerado,
eternizando a imagem e o momento como que na contemplação de uma
bela pintura viva. De perto vemos o sol descendo e sumindo, visão
não mais obstruída por torres altas e cinzentas, mas livre.
Livre como nossos espíritos.
Dizem que o tempo voa quando estamos bem acompanhados,
mas isso é um pouco de ilusão das grandes cidades, onde o dia
parece durar bem menos que o tempo entre o bater das asas de um
beija-flor. Você não sente, mas a vida cria asas e foge de suas
mãos.
Preocupações e necessidades, as pessoas deste lugar
também as carregam, mas o senso de urgência desaparece aos poucos
na calmaria, no mormaço e na brisa.
Isto é vida, meu amigo.
Paramos o tempo e o observamos.
E às vezes lançamos comentários soltos a serem
arrebatados pela ventania.
Dispensamos os sapatos e marcamos a areia com as nossas
pegadas.
E nos tornamos livres... de novo, livres como nossos
espíritos.
Neste lugar, abandonamos todo o pudor exagerado das
outras cidades, grandes e pequenas, com aquela velha necessidade de
escondermos nossas supostas falhas com um excesso de pano, com os
maneirismos e as vaidades habituais. Neste lugar, somos quem somos,
ou algo próximo disso. Todas as belezas são naturais, mesmo as
rejeitadas conchinhas quebradas.
Pode não ser o lugar mais belo do mundo, mas é o meu
novo lar.
Minha enorme caixa de areia com mil e uma novas
possibilidades.
E maior que a minha velha caixa branca de maravilhas
guardadas.
Isso é o futuro, meu caro amigo.
Fugimos da loucura, que vem ao nosso encontro somente
nas altas temporadas com os seus turistas e suas músicas altas. Mas
tudo bem. São suficientes as demais noites bem dormidas. Somente os
cães, muito sensíveis aos eventuais e isolados barulhos na calada
da noite, com os seus latidos eles quebram o silêncio e gelam a
nossa espinha naquele momento em que tentamos imaginar o que tão
subitamente teria atraído sua inteira atenção.
Quando as músicas e os fogos de artifício invadem céus
e ruas, no entanto, eles não podem correr, e assim os ganidos e
latidos dos pobres acorrentados são abafados pelo zumbido.
Não somos perfeitos, é verdade.
Não somos assim tão diferentes dos turistas habituais,
pois o homem moderno carrega os frutos da civilização – tanto os
bons como os maus – para todos os lugares. Mesmo as cidades do
campo não são mais silenciosas. E nas areias há palitos e garrafas
de vidro enterrados, mesmo em dias nublados, menos tumultuados de
mesas, guarda-sóis e peles queimadas.
Mas temos muito a aprender na contemplação do que
restou de bonito neste mundo.
Também vejo um castelo de areia parcialmente arruinado,
obra de algum garoto que esperava construir algo tão perfeito, mas
que logo viu essa perfeição ser desmanchada pelo avanço da maré.
Tento imaginar a frustração estampada em seu rosto, sua vontade de
desistir. Desistiu, mas outros tantos tentariam de novo, indo até o
limite de sua vontade em realizar um sonho.
Pensando nisso, mas vindo como um gesto inesperado, com
o dedo começo a escrever palavras soltas na areia, logo ao lado do
castelo arruinado. Elas nada significam para você agora, meu caro
amigo, mas logo mais significarão. Quando finalmente voltarmos para
casa, terei algo novo a dizer, uma nova ideia transferida para o
papel depois de tamanha inspiração que sinto neste lugar. Com a
mente, o corpo e o espírito mais leves e purificados pelo sal da
água, afastado das enormes bolhas poluentes, não há como me sentir
pouco ou nada inspirado.
E então inclino um pouco o meu corpo para o lado, e meu
dedo rabisca mais palavras ao lado das demais, e então...
Derrubo a mim mesmo da espreguiçadeira.
Sim, eu caio de rosto na areia.
De não muito longe, eu já posso sentir a tua
gargalhada chegando aos meus ouvidos. Ouço você beirando à
histeria, e por um breve momento eu considero o exagero da tua
reação. Mas neste lugar, diferente de tantos outros, eu estou um
pouco mais livre do pavor que sinto de ser alvo de um enorme
constrangimento. A vida é curta demais para a gente se importar com
isso. Tudo o que eu faço é erguer o meu rosto, cuspir um pouco de
areia e olhar para você.
E assim eu rio por último. Rio junto.
E o sol ainda sorri enquanto cede espaço para a lua
poder brilhar sob a sua luz, enquanto as ondas do mar seguem o seu
rumo, apesar de nós e nossas risadas.
Estou contente.
E eu quero dividir este contentamento com você.
Tudo isso eu já consigo ver de dentro da caixa branca.
Pois esse é o futuro, meu caro amigo.
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Vc escreve muito bem ! E tem ideias originais . Imaginação construtiva ! Parabéns !.
ResponderExcluirObrigado, Paulo. E sabendo como você é sincero, fico contente que tenha gostado!
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