segunda-feira, 26 de maio de 2014

16. Expectativas


Vejo a nós dois, meu caro amigo, folgados em espreguiçadeiras e assistindo ao pôr do sol.
Nenhum pensamento vem à mente, apenas o silêncio quebrado de leve com as ondas do mar. Fugimos da loucura, do caos, dos gritos e da fumaça da metrópole, e então sentimos a maresia acariciar nosso rosto ao fim do dia. Isso é o futuro. Pode ser visto de muito longe, no horizonte além-mar e distante do alcance de nossos olhos, mas que de qualquer modo ali ainda está.
O tempo caminha em um ritmo levemente desacelerado, eternizando a imagem e o momento como que na contemplação de uma bela pintura viva. De perto vemos o sol descendo e sumindo, visão não mais obstruída por torres altas e cinzentas, mas livre.
Livre como nossos espíritos.
Dizem que o tempo voa quando estamos bem acompanhados, mas isso é um pouco de ilusão das grandes cidades, onde o dia parece durar bem menos que o tempo entre o bater das asas de um beija-flor. Você não sente, mas a vida cria asas e foge de suas mãos.
Preocupações e necessidades, as pessoas deste lugar também as carregam, mas o senso de urgência desaparece aos poucos na calmaria, no mormaço e na brisa.
Isto é vida, meu amigo.
Paramos o tempo e o observamos.
E às vezes lançamos comentários soltos a serem arrebatados pela ventania.
Dispensamos os sapatos e marcamos a areia com as nossas pegadas.
E nos tornamos livres... de novo, livres como nossos espíritos.
Neste lugar, abandonamos todo o pudor exagerado das outras cidades, grandes e pequenas, com aquela velha necessidade de escondermos nossas supostas falhas com um excesso de pano, com os maneirismos e as vaidades habituais. Neste lugar, somos quem somos, ou algo próximo disso. Todas as belezas são naturais, mesmo as rejeitadas conchinhas quebradas.
Pode não ser o lugar mais belo do mundo, mas é o meu novo lar.
Minha enorme caixa de areia com mil e uma novas possibilidades.
E maior que a minha velha caixa branca de maravilhas guardadas.
Isso é o futuro, meu caro amigo.
Fugimos da loucura, que vem ao nosso encontro somente nas altas temporadas com os seus turistas e suas músicas altas. Mas tudo bem. São suficientes as demais noites bem dormidas. Somente os cães, muito sensíveis aos eventuais e isolados barulhos na calada da noite, com os seus latidos eles quebram o silêncio e gelam a nossa espinha naquele momento em que tentamos imaginar o que tão subitamente teria atraído sua inteira atenção.
Quando as músicas e os fogos de artifício invadem céus e ruas, no entanto, eles não podem correr, e assim os ganidos e latidos dos pobres acorrentados são abafados pelo zumbido.
Não somos perfeitos, é verdade.
Não somos assim tão diferentes dos turistas habituais, pois o homem moderno carrega os frutos da civilização – tanto os bons como os maus – para todos os lugares. Mesmo as cidades do campo não são mais silenciosas. E nas areias há palitos e garrafas de vidro enterrados, mesmo em dias nublados, menos tumultuados de mesas, guarda-sóis e peles queimadas.
Mas temos muito a aprender na contemplação do que restou de bonito neste mundo.
Também vejo um castelo de areia parcialmente arruinado, obra de algum garoto que esperava construir algo tão perfeito, mas que logo viu essa perfeição ser desmanchada pelo avanço da maré. Tento imaginar a frustração estampada em seu rosto, sua vontade de desistir. Desistiu, mas outros tantos tentariam de novo, indo até o limite de sua vontade em realizar um sonho.
Pensando nisso, mas vindo como um gesto inesperado, com o dedo começo a escrever palavras soltas na areia, logo ao lado do castelo arruinado. Elas nada significam para você agora, meu caro amigo, mas logo mais significarão. Quando finalmente voltarmos para casa, terei algo novo a dizer, uma nova ideia transferida para o papel depois de tamanha inspiração que sinto neste lugar. Com a mente, o corpo e o espírito mais leves e purificados pelo sal da água, afastado das enormes bolhas poluentes, não há como me sentir pouco ou nada inspirado.
E então inclino um pouco o meu corpo para o lado, e meu dedo rabisca mais palavras ao lado das demais, e então...
Derrubo a mim mesmo da espreguiçadeira.
Sim, eu caio de rosto na areia.
De não muito longe, eu já posso sentir a tua gargalhada chegando aos meus ouvidos. Ouço você beirando à histeria, e por um breve momento eu considero o exagero da tua reação. Mas neste lugar, diferente de tantos outros, eu estou um pouco mais livre do pavor que sinto de ser alvo de um enorme constrangimento. A vida é curta demais para a gente se importar com isso. Tudo o que eu faço é erguer o meu rosto, cuspir um pouco de areia e olhar para você.
E assim eu rio por último. Rio junto.
E o sol ainda sorri enquanto cede espaço para a lua poder brilhar sob a sua luz, enquanto as ondas do mar seguem o seu rumo, apesar de nós e nossas risadas.
Estou contente.
E eu quero dividir este contentamento com você.
Tudo isso eu já consigo ver de dentro da caixa branca.
Pois esse é o futuro, meu caro amigo.


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2 comentários:

  1. Vc escreve muito bem ! E tem ideias originais . Imaginação construtiva ! Parabéns !.

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    Respostas
    1. Obrigado, Paulo. E sabendo como você é sincero, fico contente que tenha gostado!

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