sexta-feira, 30 de maio de 2014

17. Tabu


Perdoe-me por quebrar tuas ingênuas expectativas e por cuspir em quase tudo o que aprendeu desde os teus primeiros dias, mas o meu dever nunca foi o de acariciar a tua cabeça preenchida de velhas caraminholas.

Tenho comigo as mil vozes geladas de antigos fantasmas; e às vezes, das profundezas de meu peito essas vozes sobem à minha boca e sussurram em teus ouvidos, enquanto apoio a minha mão pesada em teu ombro, tal como faz um encosto que não pode ser para sempre ignorado.

Perdoe-me, mas esses fantasmas existem.

Perdoe-me, mas existo.

Aliás, para dizer a verdade, realmente não vejo como necessário o teu perdão, tampouco clamei por isso. Mas não pense que o culpo por tudo, apesar de ser tua – e somente tua – a grande decisão de enxergar a nossa existência como o fim gentil de um longo sono repleto de sonhos confusos. Ou de senti-la como um forte murro na boca do estômago... assim, recebido de surpresa.

Faça sua escolha.

São fúteis as tentativas de me varrer para debaixo do tapete, como se isso fosse me fazer desaparecer ao ser esquecido, do mesmo modo que a poeira nunca desaparece de vez. Sim, talvez suma por algum tempo, muito brevemente, mas logo sou apontado e mencionado de novo por alguém conhecido ou em conversas aleatórias entre desconhecidos nas filas. Nem sempre soo lisonjeiro nos lábios alheios, mas nos dias de hoje isso é um pouco diferente, e, dependendo do caso, às vezes divido opiniões: uns me abominam e outros me defendem, enquanto outros tantos ainda ficam em cima do muro.

Sou muito associado a polêmicas de todos os tipos e naturezas. Pouco ou nada se conclui, mas ainda sou um objeto controverso de discussões nem sempre acaloradas, surgindo muito nas trocas de olhares constrangidos e nas entrelinhas.

Meus mil nomes são sussurrados.

Falam baixo como se falassem de segredos sujos.

Sou o inominável.

É verdade, nem todos os fantasmas são agradáveis. Muitos são realmente perturbadores, e quase que por unanimidade alteram as moléculas de quem ouve seus nomes, então desestabilizam a esse ouvinte hipotético e alteram o seu estado de espírito, seja por indignação ou por uma culpa não confessada. De qualquer modo, não deveriam agir como se esses fantasmas não existissem, mas aconselho a falarem mais a respeito. Seria um grande erro me silenciar quando atendo pelo nome de um desses fantasmas, principalmente quando isso significa a diferença entre a justiça e o efeito da omissão de quem finge não ver e de quem parece não se importar.

Mas na maioria das vezes, a mim são atribuídas tolices ancestrais ou fantasmas que não mais deveriam ser fantasmas, incômodos que doem apenas nos ombros e nas costas de incomodados sem causa, de controladores da liberdade alheia. São indivíduos com causas perdidas, mas ainda não sabem ou não querem admitir a derrota.

Pensam em mim como um princípio de moral e decência, como um velho discurso de tradições a serem mantidas, um acalentador dos supersticiosos, uma muleta para os ignorantes.

Sou conveniente para muita gente. Muitos prosperam e assumem uma soberania baseada em ideias que consideram intocáveis, enquanto outros tantos acreditam neles e sustentam tais ideias por viverem no medo. Nenhum problema com isso, é claro...

Pelo menos até o dia em que o homem vê os estilhaços de seu próprio teto de vidro.

Vemos, então, a queda de muitos homens, grandes e pequenos, quando eles veem suas convicções sendo implacavelmente esmagadas. Mas ao invés de aprenderem com isso, muitos se perguntam onde erraram antes mesmo de tentarem encontrar a si mesmos.

E assim, o mundo continua girando na submissão aos indivíduos de mente fechada.

Isso é o que acontece por esquecerem de fazer uma coisa não muito simples, mas possível; um mal necessário que significa a diferença entre a liberdade e a continuidade da tradição de me verem como uma sombra que paira sobre o homem:

Estou aqui para ser quebrado.

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2 comentários:

  1. Profundo e ousado ! Traços de KAFKA e BORGES . Involuntários, talvez.

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    Respostas
    1. No momento posso dizer que foram realmente involuntários. hehehe. Obrigado pela leitura e pelo elogio.

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