Se existe uma arte que eu domino bem, esta seria a
arte de reclamar. Eu amo ter voz para reclamar de meus incômodos, como um
direito pessoal. Você deve saber: eu não sou um ser dócil a maior parte do
tempo. Mas, cá entre nós: às vezes, a arte de reclamar passa dos limites do bom
senso.
Dizem que reclamar não resolve os problemas; de
fato, não resolve mesmo, mas não reclamar
também não resolve. E não me venha com o papo de existirem pessoas em situações
piores, pois, como sempre digo em casos assim, eu não sabia que estamos numa
competição de sofrimento. Cada um sabe de suas alegrias e dores, não importando
o tamanho de cada uma. Além de ser de mau gosto se sentir compensado pelo
sofrimento alheio. Quem diz essas coisas nunca parou para refletir?
Ainda assim, correndo o risco de soar cínico ou
hipócrita, bato na tecla de que a arte de reclamar está saturada.
Principalmente pelo efeito que eu chamo de “Chame o xerife!”, baseado no quadro
de um programa de TV em que pessoas procuram fulano de tal para ver se este
consegue resolver seus problemas.
Se você não conseguiu usufruir o tempo de garantia
de sua TV nova, chame o xerife!
Se o carrinho de bebê do seu filho enguiçou, você
precisou trocar, mas a burrocracia do
fabricante torrou a sua paciência, chame o xerife.
Se você perdeu seus dedos durante a plástica no
nariz, chame o... Não, neste caso estou exagerando.
Praticamente todos os casos apresentados neste
quadro justificam procurar a imprensa e agilizar processos cansativos. Não nego
isso. O problema, a meu ver, é a mania de reclamarem direitos por meios menos
civilizados. Espere aí. Deixe-me explicar.
Não estou dizendo que às vezes não seja necessário
ser mais enérgico diante de uma situação de injustiça, de atos de covardia, e
coisas do gênero, principalmente se for numa situação mais extrema. Estou
falando mais especificamente sobre os direitos do consumidor tratados com
exagero e até com rompantes de fúria.
Os direitos existem, é claro, e devem ser cumpridos.
Mas o cumprimento de tais direitos envolve uma série de fatores que extrapolam
o Joãozinho, o Vendedor, que apenas está fazendo o seu trabalho. O xis da
questão aqui é a mania de explodirem com o Joãozinho, o Vendedor, apenas porque
ele, sem saber, vendeu um produto danificado.
Eu já perdi a conta de quantas vezes fui ao hospital
superlotado e presenciei cenas de vexame envolvendo pacientes e funcionários.
Eu sei, a saúde em nosso país está precária, vemos
muitas pessoas morrerem nos corredores dos hospitais enquanto outros tantos
respiram saúde e maldade. Eu sei, e temos todo o direito do mundo de reclamar.
Ninguém aqui está defendendo o comodismo.
O problema é: você está reclamando com a pessoa
certa?
Os funcionários podem até se comportar como um bando
de joões-sem-braço, fingindo não ver o nosso sofrimento, ou olhando para a
gente com uma cara de cavidade retal virada ao avesso; mas eles também não têm
aonde correr. Estão só fazendo seu trabalho. Eles não são os seus inimigos.
Certa vez, como se falasse por todos ali, alguém muito
estressado ameaçou trazer a imprensa ao ambulatório por causa da demora no
atendimento. Eu estava com amidalite. Sim, eu sei, eu não iria morrer por isso,
mas eu não conseguia engolir saliva sem sentir dor, e mal e mal conseguia falar
ou comer. Mas a minha vontade era de mandar calar a boca a quem estivesse fazendo
todo aquele escândalo. Pensei no xerife vindo às pressas para resolver os
nossos problemas. Ele tem um clone a cada esquina, vocês não sabiam?
Se não fosse ele, seria outro. Mas eu apenas queria
que aquela pessoa calasse a boca, assim como todos ali estavam calados. Só deixe
a gente quieto, por favor. Não aguento mais ouvir a sua voz.
Aquela pessoa é bem capaz de ser do mesmo tipo que
se intromete quando você compra um carro usado. Você nem a chamou, mas ela veio
correndo quando ouviu o motor engasgar. E quando um mecânico vem para verificar
o problema com o dono anterior do carro, lá está aquela pessoa querendo ver,
também. Ela espera que os outros saiam para dar palpite. Parece que está tudo
ferrado, diz. Quando o carro volta do conserto, aquela pessoa pede para
verificar se o motor está funcionando. Funciona, mas morre facilmente, como se
estivesse em conluio com a pessoa. Com um tom de cumplicidade — unilateral,
neste caso —, diz que tem muito pilantra, e que se fosse você, pediria o
dinheiro de volta. Depois, o carro funciona normalmente. Claro, ainda precisa
de uns reparos, mas a coisas não é fatalista como aquela pessoa tenta fazer
parecer. Afinal, o dono anterior se propôs a bancar o conserto; que pilantra
faria isso?
Ainda comigo?
Não se trata de cruzar os braços e permitir que
pisem em você. Trata-se sobre não ser impertinente apenas “porque
sim”.
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