sexta-feira, 4 de maio de 2018

54. Quebra-Cabeça



Por onde podemos começar?
Onde fica o início, o meio e o fim?
Peças desarranjadas sobre a mesa, caídas no chão, escondidas sob o tapete. Um misto de falta de sentido e poeira. Brincadeira iniciada na infância, levando uma vida inteira.
Imagens cortadas, partes conectadas com o nada. Cão e gato alados, lembranças perdidas e outras desde sempre guardadas, o fragmento de um homem e a base de uma casa abandonada. Grande mistério. Enigma sem solução. Segurando a mão de pai e mãe, que não mais se encontram na multidão.
Mãos e pés, antes pequenos, agora grandes e maltratados pelo tempo. Os olhos cansados do homem não piscam, enquanto monta o jogo de sua vida, levando pouco mais de três quartos de um século.
Pessoas solitárias ao seu lado entraram e saíram de sua porta, deixando-lhe comida e bebida sem que ele se virasse para notá-las. Sua casca, antes tão bela e agora tão maltratada, sempre escondeu o abismo que ele sempre quis esconder. Tenta esquecer cada uma de suas mais infelizes falas, cada palavra que se esforçou para esquecer.
Na imagem ainda incompleta, lindos campos e coelhos brancos. Flores sem perfume; não há cheiro em suas velhas lembranças. Em meio ao verde desbotado dos velhos dias, o sangue amargo e invisível de suas antigas fantasias de vingança. Seus inimigos, que nem existem mais, nem mesmo souberam que algum dia eles haviam sido amigos.
Quem é este homem que monta um jogo que nunca jogou? De uma vida não vivida? Quem é este homem amargurado que desejou que o mundo o recompensasse com flores, amores ou com muita bebida?
Não se sabe onde fica o começo, nem de onde nasceram seus mais primais anseios de homem moderno, todo o seu medo de ser um homem sem medo. Toda a sua vontade de ser um homem sério.
Ele nasceu sem nascer, sempre existiu sem existir, morreu sem ainda ter morrido. Passa seus dias montando o jogo da sua vida, sem saber quem é ou deixou de ser.
Seu rosto está perdido na multidão de rostos perdidos, irreconhecíveis como o seu.
Onde estão as peças que faltam?
Cadê a única peça que se perdeu?
Está no coração do homem, do menino que morreu.
Está no peito sem emoção do homem moderno que se perdeu.


-----------------------------------------------------------------

Para mais informações e novidades:

Sigam-me em meu perfil no Google Plus

Sigam-me também no Twitter

Curtam e sigam minha Página do Facebook

Nenhum comentário:

Postar um comentário