Continuação espiritual de Destoante
Eu sou o imã perfeito para gente com um parafuso
solto. É impressionante. Você entenderá logo o que quero dizer.
Apressado, quero voltar para casa. Não olho para as
pessoas à minha volta, inquieto com a sensação de que se incomodariam com o meu
gesto trivial de observar o mundo e as pessoas lá fora. Então sigo em frente.
Quero voltar para casa.
Um homem de idade avançada me para na rua e inicia
um monólogo sobre como o calor está terrível, sobre como quer voltar a
trabalhar, mas seu chefe não o permite. Ele se aposentou, e agora deve
aproveitar o sossego, morando no litoral. Eu apenas aceno com a cabeça,
concordando com cada palavra.
Quero voltar para casa, mas este homem não me deixa
nem atravessar a rua.
Este homem, ele me diz que fuma e cheira, mas nunca
no trabalho. Não, não, não. Ele não é louco. Faz isto em particular, em seu
quarto, em casa. Eu não sei o que dizer, apenas aceno com a cabeça e sorrio sem
sorrir de verdade. Isto é muita informação para a minha cabeça.
Ele se despede de mim, mas antes de seguir seu
caminho, diz para eu ter cuidado ao atravessar a rua. Volto contente para o meu
próprio caminho.
O homem nem foi um dos maiores malucos que já
passaram por mim, mas são os deste tipo em diante que se sentem muito à vontade
de me confidenciar coisas que outras pessoas não querem saber.
Quando eu não sou o confidente de algum maluco
beleza, viro a plateia daqueles que falam em voz alta em público para ninguém
em particular, daquelas pessoas que fazem danças peculiares e se aproximam sem
avisar, daqueles que resmungam com o vento e querem saber a minha opinião a
respeito, das hienas urbanas. As
pessoas ditas normais, sérias e serenas, elas apenas seguem o fluxo e nem olham
para a minha cara.
Não que eu seja especial para virar um alvo, mas o
primeiro pensamento que me vem à mente é: tudo bem, tudo bem, só não me ataque.
O segundo pensamento costuma ser este: O que há em mim que me atrai só essa
gente?
Não pela coisa em si de serem, digamos, peculiares
(com o perdão do eufemismo), mas pela sensação de que, se por acaso se sentem à
vontade para me abordarem e mostrarem seu mundo particular, no mínimo há uma
identificação comigo. Eles conseguem me enxergar como semelhante.
Que eu não sou exatamente normal, disso estou careca
de saber. Ah! Ah! Ah!
Mas não deixa de ser curiosa essa aproximação.
Enquanto todo o resto segue ignorando tudo e todos, essas pessoas vagam pelas
ruas e em algum momento me encontram. Não deixo de ter a impressão de que sou
um lunático um pouco mais lúcido, mas não menos lunático.
Essas pessoas que querem me contar sobre suas vidas
peculiares, mas não tão distantes da realidade de muitos que se negam à parte
das convenções sociais.
Mesmo interagindo e coexistindo com a civilização comum,
somos seres que vivem à margem dos olhares mais mundanos, longe do interesse de
quem vive apenas pelo tédio de ser ordinário para não parecer louco.
Tudo bem. É até divertido parecer maluco, bastando
viver em silêncio, sem deixar tão claro às pessoas o que meus olhares querem
dizer. É como um mecanismo de defesa. Elas me deixam em paz com seus
julgamentos a maior parte do tempo, talvez com medo da minha reação, por não
saberem qual poderia ser.
Essas pessoas com histórias, com espuma na boca e um
olhar perdido, e eu com minhas neuroses. E com meu olhar igualmente perdido.
Essas pessoas e eu formamos um clube muito peculiar, ou talvez sejamos tão
somente lobos solitários procurando a própria turma, mas acostumados demais em
seguirmos o próprio rumo sem ter quem nos note ou que tente interferir em nosso
mundinho particular.
Somos seres livres, ainda que guardemos parte desta
liberdade dentro de nós, quando estamos caminhando entre as pessoas ditas
normais. Por dentro, estamos inquietos. Até as pessoas normais, que sabem
disfarçar muito bem.
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