terça-feira, 3 de abril de 2018

51. Lunático



Continuação espiritual de Destoante


Eu sou o imã perfeito para gente com um parafuso solto. É impressionante. Você entenderá logo o que quero dizer.
Apressado, quero voltar para casa. Não olho para as pessoas à minha volta, inquieto com a sensação de que se incomodariam com o meu gesto trivial de observar o mundo e as pessoas lá fora. Então sigo em frente. Quero voltar para casa.
Um homem de idade avançada me para na rua e inicia um monólogo sobre como o calor está terrível, sobre como quer voltar a trabalhar, mas seu chefe não o permite. Ele se aposentou, e agora deve aproveitar o sossego, morando no litoral. Eu apenas aceno com a cabeça, concordando com cada palavra.
Quero voltar para casa, mas este homem não me deixa nem atravessar a rua.
Este homem, ele me diz que fuma e cheira, mas nunca no trabalho. Não, não, não. Ele não é louco. Faz isto em particular, em seu quarto, em casa. Eu não sei o que dizer, apenas aceno com a cabeça e sorrio sem sorrir de verdade. Isto é muita informação para a minha cabeça.
Ele se despede de mim, mas antes de seguir seu caminho, diz para eu ter cuidado ao atravessar a rua. Volto contente para o meu próprio caminho.
O homem nem foi um dos maiores malucos que já passaram por mim, mas são os deste tipo em diante que se sentem muito à vontade de me confidenciar coisas que outras pessoas não querem saber.
Quando eu não sou o confidente de algum maluco beleza, viro a plateia daqueles que falam em voz alta em público para ninguém em particular, daquelas pessoas que fazem danças peculiares e se aproximam sem avisar, daqueles que resmungam com o vento e querem saber a minha opinião a respeito, das hienas urbanas. As pessoas ditas normais, sérias e serenas, elas apenas seguem o fluxo e nem olham para a minha cara.
Não que eu seja especial para virar um alvo, mas o primeiro pensamento que me vem à mente é: tudo bem, tudo bem, só não me ataque. O segundo pensamento costuma ser este: O que há em mim que me atrai só essa gente?
Não pela coisa em si de serem, digamos, peculiares (com o perdão do eufemismo), mas pela sensação de que, se por acaso se sentem à vontade para me abordarem e mostrarem seu mundo particular, no mínimo há uma identificação comigo. Eles conseguem me enxergar como semelhante.
Que eu não sou exatamente normal, disso estou careca de saber. Ah! Ah! Ah!
Mas não deixa de ser curiosa essa aproximação. Enquanto todo o resto segue ignorando tudo e todos, essas pessoas vagam pelas ruas e em algum momento me encontram. Não deixo de ter a impressão de que sou um lunático um pouco mais lúcido, mas não menos lunático.
Essas pessoas que querem me contar sobre suas vidas peculiares, mas não tão distantes da realidade de muitos que se negam à parte das convenções sociais.
Mesmo interagindo e coexistindo com a civilização comum, somos seres que vivem à margem dos olhares mais mundanos, longe do interesse de quem vive apenas pelo tédio de ser ordinário para não parecer louco.
Tudo bem. É até divertido parecer maluco, bastando viver em silêncio, sem deixar tão claro às pessoas o que meus olhares querem dizer. É como um mecanismo de defesa. Elas me deixam em paz com seus julgamentos a maior parte do tempo, talvez com medo da minha reação, por não saberem qual poderia ser.
Essas pessoas com histórias, com espuma na boca e um olhar perdido, e eu com minhas neuroses. E com meu olhar igualmente perdido. Essas pessoas e eu formamos um clube muito peculiar, ou talvez sejamos tão somente lobos solitários procurando a própria turma, mas acostumados demais em seguirmos o próprio rumo sem ter quem nos note ou que tente interferir em nosso mundinho particular.
Somos seres livres, ainda que guardemos parte desta liberdade dentro de nós, quando estamos caminhando entre as pessoas ditas normais. Por dentro, estamos inquietos. Até as pessoas normais, que sabem disfarçar muito bem.


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