Como
eu amo o tom implícito nessa pergunta! Só que não.
Como se a vida se resumisse apenas ao trabalho — que, sim,
é importante, mas não é a única coisa de que o homem é feito.
Quando uma pessoa costuma perguntar com essas exatas
palavras se você trabalha ou estuda, cria-se uma ilusão de que é uma pergunta
que abre um leque de possibilidades, mas na verdade é apenas limitadora. Dá a
impressão de que a pessoa quer saber o que você faz apenas para medir se você é
de nível baseando-se unicamente em sua profissão. Uma coisa é perguntar se a
pessoa faz alguma atividade ou mesmo se trabalha ou estuda, e isso dentro de
uma conversa em andamento, quando já existe o entrosamento; outra muito
diferente é lançar aleatoriamente essa pergunta para medir primeiras impressões
baseando-se apenas no nível da profissão de um sujeito.
Não é minha intenção ser radical com isso, por mais que
isso soe assim. Sei que às vezes as pessoas perguntam mais por curiosidade
mesmo, e às vezes usam essas exatas palavras porque já estão na ponta da
língua, o que é compreensível, mas repito que o homem não é feito apenas do
trabalho.
O trabalho tem de servir como um elemento edificante, mas
não como essência do homem.
E (vendo agora pelo lado inverso) o trabalho também não
deve ser visto como um deus a quem os homens pagam uma constante penitência,
que faz uma pessoa tentar provar do que é feita, de quanto ela vale simplesmente
baseando-se no sofrimento afligido por um emprego por ela detestado. Quando se
fala em trabalho, certas pessoas o encaram como um castigo, não como algo de
grande necessidade. Qual é mesmo uma das primeiras coisas que falam para uma
pessoa quando ela diz sandices? "Você não tem louça para lavar?" E
apesar de ser uma pergunta aparentemente simples, consigo ver implícito aí um
"fator castigo", não porque lavar a louça é importante, mas depositam
nessa ação (que sim, admito, é bem chata, apesar de essencial) um peso
desnecessário.
Encaro que o trabalho deve vir como justo e proporcional ao
que a pessoa busca para si e ao que suas aspirações indicam... nem mais, nem
menos. Eu sei que é tudo muito concorrido e às vezes a situação é difícil, o
que justifica a pessoa ter de arrumar alguma ocupação que muitas vezes não é de
seu gosto, até mesmo para poder sobreviver, mas não justifica esse senso de
superioridade sobre os outros baseando-se no quão “merda” é o seu emprego,
assim como no quão rentável é porque você escolheu para si aquelas profissões
do alto escalão. Cada um tem para si aquilo que lhe cabe.
"Ah, mas você diz isso tudo porque não tem família e
filhos para cuidar, ou mesmo irmãos, dívidas a pagar, etc."
Exatamente. Não tenho justamente porque eu sei que, por ora,
não tenho estrutura para tais coisas. Para isso há uma coisa chamada
planejamento, já ouviu falar? Existe algo chamado saber o que estou fazendo.
Sou solteiro, sem filhos e evito acumular dívidas desnecessárias. E, apesar de
detestar ser filho único por causa da solidão, isso me torna privilegiado no
sentido de eu poder calcular melhor os rumos que levo, de poder investir meu
tempo e esforço naquilo que mais gosto ou sou bom, nas coisas em que sinto
estar minha verdadeira vocação (e que não é diversão o tempo todo, ao contrário
do que possam pensar).
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